cannabis e epilepsia
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O uso do canabidiol (CBD) no tratamento da epilepsia tem ganhado cada vez mais espaço na prática clínica, principalmente nos casos refratários em que os medicamentos tradicionais não apresentam boa resposta. Embora relatos de “cura milagrosa” tenham popularizado o tema, a segurança e a eficácia dessa abordagem só podem ser compreendidas com base em estudos sólidos e evidências científicas confiáveis.

Este artigo revisa os principais mecanismos de ação, estudos clínicos relevantes e as indicações atuais do uso do canabidiol na epilepsia, com foco especial em condições como a Síndrome de Dravet e a Síndrome de Lennox-Gastaut.

O que é epilepsia refratária?

A epilepsia é uma doença neurológica crônica, relativamente comum na infância. Estima-se que cerca de 70% dos pacientes possam ficar livres de crises com medicamentos adequados. No entanto, os 30% restantes são considerados casos refratários, ou seja, não respondem bem aos tratamentos convencionais.

Nesses casos, outras abordagens terapêuticas são indicadas, como:

  • Novos fármacos anticonvulsivantes
  • Dietas cetogênicas
  • Cirurgias específicas
  • Estimuladores vagais

É nesse contexto que o canabidiol tem se mostrado promissor.

Canabinoides e epilepsia: o que a ciência mostra

A história do uso medicinal da cannabis remonta a mais de 5.000 anos. Relatos antigos já mencionavam seu uso no controle de convulsões. Mas foi a partir do século XXI, com maior compreensão dos canabinoides, que a ciência passou a avaliar com mais profundidade o CBD como agente terapêutico. Outros canabinoides menores também estão sendo estudados como terapias complementares, porém ainda não possuem o mesmo grau de evidência que o canabidiol.

Diferente do tetrahidrocanabinol (THC), o CBD não possui efeito psicotrópico. Ele apresenta propriedades:

  • Anticonvulsivantes
  • Ansiolíticas
  • Anti-inflamatórias
  • Neuroprotetoras

Vale lembrar: todo composto da cannabis é psicoativo, mas nem todos são psicotrópicos. Os compostos são considerados psicotrópicos quando alteram a percepção da realidade. O mais conhecido por isso é o THC.

Mecanismo de ação do CBD no controle de crises

Embora o CBD atue fracamente nos receptores CB1 e CB2 do sistema endocanabinoide, ele exerce seus efeitos anticonvulsivantes por meio de outros mecanismos, como:

  • Modulação de canais iônicos (como TRPV1)
  • Interação com receptores de serotonina (5-HT1A)
  • Inibição da recaptação de neurotransmissores

Sua farmacocinética também é relevante: o CBD possui baixa biodisponibilidade oral (cerca de 10%) devido à metabolização hepática extensa. Formas de administração como óleos sublinguais ou formulações nanossomadas estão sendo estudadas para melhorar sua absorção.

  • Está em dúvida se o tratamento com cannabis é o melhor para seu paciente, veja esse artigo completo e decida o melhor tratamento.

Estudos clínicos com canabidiol em epilepsia

Estudo em Síndrome de Dravet

O primeiro estudo randomizado, duplo-cego e placebo-controlado sobre CBD na epilepsia foi publicado em 2017 (Devinsky et al.). Participaram 120 crianças e adolescentes com Síndrome de Dravet.

  • Dose de 20 mg/kg/dia de CBD por 14 semanas
  • Redução >50% nas crises tônico-clônicas em 43% do grupo CBD (vs. 27% no placebo)
  • 5% dos pacientes com CBD ficaram livres de crises

Estudo em Síndrome de Lennox-Gastaut

Outro estudo (Thiele et al., 2018) incluiu 171 pacientes com Síndrome de Lennox-Gastaut:

  • Dose também de 20 mg/kg/dia
  • Redução de 44% nas crises de queda com CBD (vs. 22% com placebo)
  • 3 pacientes no grupo CBD ficaram livres das crises

Eventos adversos e interações medicamentosas

Os principais efeitos colaterais observados foram:

  • Sonolência
  • Diarreia
  • Vômitos
  • Elevação de enzimas hepáticas
  • Fadiga

Interações relevantes ocorrem principalmente com:

  • Ácido valpróico
  • Clobazam

Por isso, é fundamental acompanhar os pacientes com exames laboratoriais regulares. Além disso, se você ainda quer entender mais sobre as atuais evidências clínicas da cannabis medicinal, veja como médicos podem usar os estudos na condução do dia a dia.

Considerações práticas para prescritores

  • O CBD não substitui os anticonvulsivantes convencionais; ele é utilizado como adjuvante
  • É indicado principalmente para epilepsias refratárias, como Síndrome de Dravet, Lennox-Gastaut e Síndrome de West
  • A dosagem mais estudada é de 10 a 20 mg/kg/dia, dividida em 2 ou 3 tomadas
  • O acompanhamento deve incluir avaliação clínica e exames de função hepática

Limites e perspectivas futuras

Apesar dos avanços, ainda existem questões em aberto:

  • Quais os mecanismos exatos do efeito anticonvulsivante do CBD?
  • Quais formulações oferecem melhor biodisponibilidade?
  • Qual é o impacto do uso prolongado na vida dos pacientes?
  • Por que alguns pacientes apresentam resposta excepcional?

Estudos em andamento estão avaliando o uso do CBD em outras condições neurológicas e psiquiátricas, o que pode ampliar ainda mais seu potencial terapêutico.

O que a ciência diz sobre o CBD e a epilepsia

O canabidiol é uma alternativa terapêutica promissora para epilepsias de difícil controle, com evidências robustas de eficácia em Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut. Embora ainda não seja uma solução definitiva, seu uso pode melhorar a qualidade de vida de pacientes e famílias que convivem com crises frequentes.

Reforçamos que a prescrição deve ser baseada em evidências e acompanhada de perto por profissionais de saúde capacitados.

Se você é médico e quer entender como prescrever com mais segurança, acompanhe os conteúdos da Central de Aulas do Kaya Doc.

Referências consultadas:

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