canabidiol e outros medicamentos
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Posso tomar canabidiol com outros medicamentos é, disparado, uma das perguntas mais frequentes no consultório e nas DMs do WhatsApp. A resposta curta é: pode, em muitos casos — desde que exista avaliação clínica, ajuste de dose e monitoramento. O motivo é simples: o CBD (e, em menor grau, o THC) pode alterar a velocidade com que outros fármacos são metabolizados, aumentando ou reduzindo seus níveis no sangue. Para pacientes em polifarmácia, idosos, pessoas com doença hepática/renal ou que usam medicamentos com índice terapêutico estreito, a atenção precisa ser redobrada.

Este guia explica, sem “tecniquês desnecessário”, como acontecem as interações, quais são as combinações que mais pedem cuidado, o que monitorar, e como prescrever com segurança. Ao final, você terá um passo a passo prático para tomar decisões com calma e respaldo científico.

Quer reforçar a base? Depois deste texto, vale revisar: O que é o sistema endocanabinoide?

Como o canabidiol interage com outros medicamentos (mecanismo principal)

A “ponte” por onde a maioria das interações passa é a família de enzimas citocromo P450 (CYP), localizada sobretudo no fígado e no intestino. Essas enzimas quebram (metabolizam) grande parte dos fármacos e de moléculas exógenas.

  • CBD pode inibir (e pontualmente induzir) isoenzimas como CYP2C19, CYP3A4 e CYP2C9.
  • THC costuma inibir sobretudo CYP2C9 (e, em menor intensidade, 3A4).

Quando o CBD inibe a enzima que metaboliza um remédio, esse remédio demora mais para ser eliminado, sobe o nível sanguíneo e cresce o risco de efeito colateral. O contrário (indução) acelera a eliminação e reduz a eficácia.

Quer entender THC: o que é e efeitos no corpo antes de prescrever? Veja nosso guia direto ao ponto

Além do “pilar” CYP, duas vias também entram no radar:

  • UGT (UDP-glucuronosiltransferases): família de enzimas de conjugação; alguns canabinoides podem competir/inibir.
  • Transportadores (P-gp/ABCB1, BCRP/ABCG2): influenciam absorção/penetração tecidual; relevância clínica variável, mas vale ficar atento em polifarmácia.

Tradução prática: interações do CBD/THC são, na maioria, previsíveis quando você sabe qual CYP metaboliza o outro fármaco. Por isso, o cuidado central é mapear o esquema do paciente e começar baixo, ir devagar e monitorar.

Precisa revisar a base de o que são canabinoides — fitocanabinoides, endocanabinoides e sintéticos? Confere aqui

As 4 interações com canabidiol mais relevantes na prática

1) Clobazam (COBI/CLO) — atenção à sonolência

  • Mecanismo: CBD inibe CYP2C19 → aumenta o metabólito ativo N-desmetilclobazam (N-CLB).
  • O que pode acontecer: Sedação acentuada, lentidão psicomotora, fadiga.
  • Como conduzir: iniciar CBD baixo (ex.: 5–10 mg/dia), subir devagar; reduzir dose de clobazam se houver sedação/excesso de N-CLB; monitorar efeitos clínicos e, se possível, níveis séricos.

Dúvida sobre receptores canabinoides CB1 e CB2 e por que eles explicam tanta coisa na clínica? Leia este resumo prático.

2) Valproato (ácido valpróico) — olho no fígado e nas plaquetas

  • Mecanismo: interação metabólica não totalmente elucidada (UGT + sobrecarga hepática).
  • O que pode acontecer: elevação de transaminases e trombocitopenia em parte dos pacientes.
  • Como conduzir: antes e durante a associação, pedir TGO/TGP, BT/BD e hemograma (plaquetas). Diante de ALT/AST >3× LSN ou queda de plaquetas: ajustar dose ou pausar um dos agentes.

3) Varfarina (VKA) e análogos cumarínicos — ajuste guiado por INR

  • Mecanismo: CBD/THC inibem CYP2C9 (principal via da S-varfarina).
  • O que pode acontecer: INR subir (sangramento) ou oscilar.
  • Como conduzir: iniciar canabinoide em microdose, agendar INR 3–7 dias após cada ajuste, e repetir até estabilização; alinhar com o médico do anticoagulante.

Buscando um panorama didático sobre canabidiol (CBD) — usos, segurança e evidências? Este é o caminho.

4) Antiepilépticos e psicotrópicos metabolizados por CYP2C19/3A4

  • Exemplos: diazepam, sertralina, citalopram/escitalopram, trazodona, quetiapina, carbamazepina, topiramato, lamotrigina (UGT), entre outros.
  • Risco prático: somação de sedação, hipotensão postural e tontura, além de possíveis ajustes de dose por variação de níveis.
  • Condução: start low, go slow, reavaliar 2–4 semanas e usar escalas sintomáticas (ansiedade, sono, tontura, fadiga) para guiar decisões.

Outros grupos de fármacos que pedem atenção com canabidiol

  • Anticoagulantes/antiagregantes (varfarina, acenocumarol; cautela com DOACs): monitorar INR (VKAs) e sinais de sangramento (todos).
  • Antiarrítmicos (amiodarona, dofetilida, quinidina): risco teórico de pró-arritmia se níveis subirem; manter ECG e clínica em dia.
  • Imunossupressores (tacrolimo, sirolimo, everolimo): metabolizados por CYP3A/P-gp; preferir CBD em doses baixas, com níveis de droga quando disponíveis.
  • Opioides e benzodiazepínicos: somação de sedação; ajustar para noite quando possível, reforçar orientação de quedas em idosos.
  • Antifúngicos “-azóis” e macrolídeos: são inibidores de CYP3A4; podem aumentar níveis de CBD/THC e de outros psicotrópicos associados.
  • Hormônios tireoidianos (levotiroxina): casos de ajuste fino de dose em alguns pacientes; monitorar TSH/T4 após mudanças no canabinoide.

Pro tip: quando houver múltiplos inibidores/indutores no mesmo esquema (ex.: cetoconazol + sertralina + CBD), considere reduzir a velocidade da titulação e programar toques mais frequentes de acompanhamento.

Quer ir além de THC e CBD? Conheça os canabinoides menores como CBG, CBN e CBC, e seus possíveis usos.

Quem tem mais risco de interação com canabidiol (e como proteger)

  • Idosos (clearance reduzido, hipotensão postural, risco de quedas).
  • Polifarmácia (≥5 medicamentos ativos).
  • Hepatopatas/renais (menor reserva metabólica).
  • Fármacos com índice terapêutico estreito (varfarina, digoxina*, antiepilépticos, imunossupressores).
  • Oncologia (esquemas com múltiplos inibidores/indutores).

*Digoxina não é metabolizada por CYP, mas toda nova medicação em idosos com digoxina pede monitorização (interações indiretas, função renal, eletrólitos).

Escudo de segurança em 6 passos:

  1. Anamnese honesta: pergunte sobre uso adulto de cannabis e fitoterápicos/OTC (erva-de-são-joão, omeprazol crônico, antiácidos de magnésio, etc.).
  2. Mapeie CYP e ITE: identifique CYP2C19/2C9/3A4 nos remédios do paciente e marque índice terapêutico estreito.
  3. Comece baixo: CBD 5–10 mg/noite (ou 0,1–0,2 mg/kg/dia); suba a cada 7–14 dias. THC (se indicado) microdose noturna (ex.: 0,5–1 mg).
  4. Revisite em 2–4 semanas: sono, tontura, fadiga, humor, dor; pressão ortostática em idosos.
  5. Exames conforme risco: TGO/TGP/BT/BD (hepatopatas, valproato), INR (VKA), níveis séricos (tacrolimo, N-CLB se disponível).
  6. Documente tudo: indicação, metas clínicas, escala de sintomas, consentimento, plano de ajuste e orientações por escrito.

Na hora de escolher produto, entenda as diferenças entre full spectrum, broad spectrum e isolado — e como isso impacta na dose e nos efeitos clínicos.

Posso tomar canabidiol com antidepressivos, ansiolíticos e antipsicóticos?

  • ISRS/IRSNs (sertralina, escitalopram, venlafaxina, duloxetina): em geral, seguros com CBD conservador. Fique atento a sonolência e dispepsia.
  • Benzodiazepínicos (diazepam, clonazepam): somação de sedação; pode ser estratégico para insônia/ansiedade noturna — mas titule devagar.
  • Antipsicóticos (quetiapina, olanzapina, risperidona): preferir CBD isolado/broad em início; monitorar hipotensão, ganho de peso e sonolência.

Sinais de que algo não vai bem: sedação “pesada”, tontura persistente, confusão, marcha instável, náusea/vômito, equimoses fácil (anticoagulados), icterícia/prurido (fígado). Nesses casos, rever doses e colher exames.

Para um passo a passo de receituário, tipos de receita e autorização: Melhores práticas de prescrição de canabidiol.

Formas farmacêuticas e impacto nas interações

  • Sublingual/óleo (via oral): maior chance de interação por primeira passagem hepática (CYP).
  • Cápsulas/comprimidos: cinética mais lenta, mas mesma via metabólica.
  • Tópicos/dermocosméticos: baixo risco sistêmico de interação (salvo uso em área extensa + alta concentração).
  • Vaporização/inalação: início rápido, menos primeira passagem, mas atenção a pico de efeito (sedação, hipotensão breve) e perfil de produto.

Na dúvida: prefira óleo/cápsula de CBD com COA claro (teores, solventes, metais) e titulação conservadora. E se você ainda não conhece as gummies de cannabis, não deixe de conferir mais sobre essa forma farmacêutica.

Interações do canabidiol fora do consultório (o que orientar ao paciente)

  • Álcool: somação de sedação e piora de coordenação (quedas/acidentes).
  • Cafeína/energéticos: podem mascarar sonolência e aumentar ansiedade (atenção em início de tratamento).
  • Fitoterápicos e OTC: erva-de-são-joão (indutor enzimático), inibidores de bomba de prótons usados cronicamente, antiácidos de uso livre — sempre informar.
  • Dirigir/operar máquinas: evitar nas primeiras semanas ou após ajustes de dose.

Roteiro de prescrição segura de canabidiol em polifarmácia

  1. Defina 1–2 metas objetivas (ex.: reduzir dor de 8→5/10; ganhar 60 min de sono).
  2. Escolha o espectro: inicie com CBD isolado/broad quando a prioridade for evitar THC (idosos, polifarmácia, história de delírio/psicose).
  3. Dose inicial: 5–10 mg à noite; reavaliar em 7–14 dias; subir 5–10 mg conforme resposta/tolerância.
  4. Quando considerar THC: dor refratária/insônia noturna; comece com 0,5–1 mg THC na hora de dormir; não suba rápido.
  5. Ajustes de concomitantes: benzodiazepínicos, hipnóticos e opioides podem ser reduzidos se houver ganho de sono/analgesia — um por vez, com plano claro.
  6. Monitoramento:
    1. Hepático (TGO/TGP/BT/BD) no início e a cada 4–12 semanas quando houver risco/valproato.
    1. INR quando VKAs;
    1. Pressão em idosos;
    1. Escalas (dor, sono, ansiedade).
  7. Checklist de alerta entregue ao paciente/cuidador (quando procurar o serviço, como pausar/voltar).

Para comparar preço por mg e COA: Produtos de cannabis — como encontrar para prescrever.

Perguntas rápidas (FAQ) sobre canabidiol e outros remédios

CBD corta o efeito do anticoncepcional?
Não há evidência consistente de perda de eficácia; alguns anticoncepcionais combinados passam por CYP3A4. Oriente uso correto, atenção a breakthrough bleeding e sinais de trombose quando houver outros fatores de risco.

Posso usar CBD com antidepressivo?
Em geral, sim. Comece baixo, observe sedação e dispepsia nas primeiras semanas e ajuste se necessário.

Uso varfarina. Posso usar CBD?
Pode, com monitorização: programar INR seriado após iniciar/ajustar CBD/THC e alinhar com o cardiologista/angiologista.

Tenho fígado gorduroso. E aí?
Prefira doses baixas, subida lenta e enzimas hepáticas em linha de base e após ajustes. Se ALT/AST subir >3× LSN, rever.

O CBD atrapalha exame toxicológico?
O CBD não é rastreado em testes ocupacionais comuns; THC sim. Se houver tolerância zero a THC, escolha CBD isolado com COA.

Como o Kaya Doc facilita a vida do prescritor (e protege o paciente)

  • Comparador de produtos com COA lado a lado (teor real de CBD/THC, solventes, metais, pesticidas) e custo por mg.
  • Prescrição digital (ICP-Brasil) com campos de posologia, titulação e orientações de segurança (inclui checklist de interações).
  • Biblioteca científica e resumos críticos (humanos/pré-clínicos) sobre interações (CYP/UGT) e condutas em polifarmácia.
  • Checklists de seguimento (dor, sono, ansiedade) e diário do paciente/cuidador para decisão baseada em dados.

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Conclusões práticas — canabidiol com outros medicamentos

  • Interação com canabidiol é, na maioria dos casos, previsível e manejável quando você conhece CYP2C19/2C9/3A4 do esquema do paciente.
  • Clobazam, valproato e varfarina são os três cenários que mais pedem protocolo de monitoramento.
  • Em idosos e polifarmácia, low & slow não é clichê — é segurança.
  • Documente metas, risco/benefício, consentimento e plano de titulação; entregue orientações por escrito.
  • Com produto certo + COA + monitorização, o CBD pode reduzir polimedicação (hipnóticos/opioides/ansiolíticos) e melhorar desfechos.

Quer se aprofundar? Vale a leitura do nosso guia de efeitos comuns do CBD e do THC (como reconhecer e manejar sonolência, tontura, boca seca, hipotensão).

Referências selecionadas (para quem gosta do detalhe técnico)

  • Kocis PT, Vrana KE. Delta-9-Tetrahydrocannabinol and Cannabidiol Drug-Drug Interactions. Med Cannabis Cannabinoids. 2020.
  • Gaston TE et al. Interactions between cannabidiol and commonly used antiepileptic drugs. Epilepsia. 2017.
  • Gunning B et al. Cannabidiol with clobazam: analysis of RCTs. Acta Neurol Scand. 2021.
  • Damkier P et al. Warfarin and cannabis interaction. Basic Clin Pharmacol Toxicol. 2019.
  • FDA. Drug interactions — table of substrates, inhibitors and inducers (CYP).

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