Será que a cannabis funciona para insônia virou um dos temas mais quentes nas conversas entre pacientes e profissionais da saúde. Mas o que a ciência de fato mostra sobre qualidade do sono? Neste guia didático — e direto ao ponto — reunimos evidências clínicas recentes (incluindo um ensaio controlado pragmático com milhares de participantes e uma meta-análise de RCTs) para explicar como canabinoides podem ajudar (ou não), quais limitações existem, efeitos adversos, diferenças entre formulações e boas práticas de prescrição responsável.
Spoiler: os dados mais robustos apontam melhoras pequenas em qualidade do sono no curto prazo, com efeitos colaterais previsíveis (como tontura) e incertezas quando comparamos canabinoides a tratamentos ativos padrão.
Introdução rápida: por que olhar para cannabis e sono?
Insônia e distúrbios do sono têm alta prevalência e impacto funcional relevante, que variam de piora cognitiva a acidentes e absenteísmo, o que explica o interesse por terapias complementares. A literatura clínica aponta aumento do uso de cannabis para “dormir melhor” ou cannabis para insônia, e diretrizes clássicas reforçam a importância de medidas validadas para avaliar desfechos de sono (ex.: PROMIS Sleep Disturbance, ISI).
O que mostram os grandes dados recentes (ensaio pragmático com canabinoides, melatonina e sono)
Um estudo de efetividade do tipo randomizado e controlado (pragmático), conhecido como Radicle Discovery Sleep, comparou diferentes formulações contendo CBD (isolado e combinações) com melatonina (isolada e em combinação). Em poucas semanas, todos os braços melhoraram significativamente o escore PROMIS Sleep Disturbance 8a em relação à linha de base (p < 0,0001), e houve diferenças discretas entre braços — com tendência de maior redução do distúrbio de sono no grupo melatonina + CBD versus CBD 15 mg isolado (coef. −0,4; IC95% −0,8 a 0,0; p = 0,059).
Na análise item-a-item do PROMIS, melatonina + CBD se saiu melhor em “meu sono foi reparador”, “tive problema com meu sono” e “meu sono foi inquieto”, com diferenças pequenas, porém estatisticamente significativas em duas dessas questões; não houve diferença nos itens “qualidade do sono”, “dificuldade para dormir”, “tentei muito pegar no sono”, “preocupação por não conseguir dormir” e “satisfação com o sono”.
De olho nos desfechos clinicamente importantes: cerca de 67% dos participantes alcançaram MCID (mínima diferença clinicamente importante) na pontuação de distúrbio do sono em todos os braços, com porcentagens variando de ~56% a 75% conforme a formulação; ainda assim, não houve diferença significativa entre as formulações CBD sem melatonina e entre as com melatonina.
Como era um estudo pragmático com titulação livre, a ingestão diária de cápsulas aumentou em todos os grupos ao longo do acompanhamento — algo esperado em cenários de efetividade do “mundo real”.
Tradução prática: em cenário realista, melatonina (sozinha ou combinada) continua sendo um comparador forte para queixa de sono; CBD (isolado ou em combinações sem melatonina) também se associa a melhora dentro do período de seguimento curto, mas sem superioridade consistente entre as formulações.
Se você ainda não sabe a diferença entre o CBD isolado e as formulações full spectrum e broad spectrum, consulte nosso guia completo sobre o assunto!
O que diz a evidência agrupada (meta-análise de RCTs): tamanho de efeito, eventos adversos e limites
Uma meta-análise abrangendo 39 ensaios clínicos randomizados avaliou efeitos de cannabis/canabinoides sobre sono (em grande parte, pacientes com dor crônica) e insônia e encontrou que, comparados ao placebo, os canabinoides geram um melhora pequena em qualidade do sono e distúrbio do sono — com efeitos maiores em dor crônica não oncológica e menores em dor oncológica.
O estudo traduz os efeitos em Risco Absoluto (Risk Difference) e números fáceis: algo como 1 em cada 13 pacientes relata melhora de qualidade do sono; em distúrbio do sono, o ganho é mais visível em dor não oncológica. Por outro lado, há aumento do risco de tontura (especialmente em tratamentos ≥ 3 meses, RD ~29%), além de sonolência, boca seca, fadiga e náuseas (RD ~6–10%). Em resumo, um benefício pequeno e importante e com efeitos colaterais previsíveis.
Inclusive, a canabis tem sido usada para diferentes condições médicas em que os distúrbios do sono são uma consequência, como é o caso da enxaqueca, nesse estudo analisado pela equipe do Kaya Doc, os pesquisadores encontraram evidências positivas do uso de CBD e THC em pacientes com enxaqueca.
Comparações vs. tratamentos ativos (ex.: amitriptilina, opioides, diazepam) são incertas (baixa a muito baixa certeza) — há sinais de que a nabilona possivelmente é melhor que a amitriptilina para sintomas de insônia em fibromialgia, mas isso se baseia em um único RCT pequeno; versus dihidrocodeína, diferença nula para interrupções do sono.
Pontos críticos da meta-análise: janela de 2 a 16 semanas, predomínio de formas não inaladas e titragem pós-randomização em 72% dos ensaios — tudo isso limita a generalização dos achados e a inferência de dose-resposta.
O que esperar no longo prazo? A própria síntese destaca que a evidência disponível não permite conclusões firmes do uso da cannabis para insônia; há estudos observacionais sugerindo melhora no curto prazo, mas piora na iniciação e manutenção do sono com uso prolongado.
Panorama da literatura especializada: revisões narrativas e lacunas
Revisões da literatura sobre cannabis, canabinoides e sono organizam o campo, mostrando resultados heterogêneos conforme quadro clínico, tipo de canabinoide (THC, CBD, nabilona, nabiximols), via e tempo de uso. Em comum, a mensagem de que os sinais de benefício tendem a surgir no curto prazo, enquanto tolerância e alterações de arquitetura do sono com THC merecem cautela e investigação adicional — especialmente quando saímos do contexto de dor crônica.
Formulações, espectro e combinações: o que muda para o paciente com insônia?
- CBD isolado x combinações: no estudo pragmático, combinações com melatonina tenderam a melhor performance em itens específicos do PROMIS, mas não houve superioridade consistente entre formulações CBD sem melatonina, e 67% atingiram MCID no conjunto. Isso reforça que rotas com foco em higiene do sono + adjuvantes (melatonina quando indicado) podem ser úteis; CBD pode somar, mas não “substitui” o básico.
- THC e análogos (ex.: nabilona): podem reduzir latência de início do sono em alguns contextos de dor, porém com efeitos adversos (tontura, sonolência) e incerteza frente a comparadores ativos. Em especial, tontura cresce com uso mais prolongado.
- Nabiximols (THC:CBD oromucosal): apresentam resultados mistos em dor e sintomas relacionados; para sono, o efeito global na meta-análise se mantém pequeno vs. placebo.
Se a sua preocupação é os efeitos dos canabinoides no seu paciente, nesse artigo nós exploramos os principais efeitos do CBD e do THC no corpo humano. Agora, se você não sabe quais são os principais produtos utilizados por médicos prescritores no país, confira nosso artigo completo sobre marcas e formulações mais comuns de canabidiol no país.
Segurança: o que observar no consultório
No agregado, espere pequenos ganhos de sono com probabilidade de eventos adversos leves/moderados. O aumento de tontura é o sinal mais consistente (e aumenta com a duração); sonolência diurna, boca seca, fadiga e náusea aparecem com frequência moderada.
Monitore, em especial, os pacientes idosos, polimedicados e aqueles com apneia do sono (onde dados de dronabinol ainda são limitados e não extrapoláveis para óleos artesanais).
Boas práticas clínicas: como decidir, como começar, como acompanhar
- Indicação criteriosa
No uso da cannabis, priorize pacientes com insônia comórbida a dor crônica (onde os dados são mais consistentes) e que falharam ou não toleraram medidas de 1ª linha (higiene do sono, TCC-I, otimização de melatonina quando indicada). Combinações com melatonina podem ser avaliadas na prática, mas evidências de superioridade robusta das diferentes formulações de CBD entre si não foram demonstradas. - Escolha da formulação
- CBD isolado ou produtos broad-spectrum: perfil de segurança favorável; efeitos de sono modestos.
- Alto THC: avaliar risco-benefício, principalmente em idosos e trabalhadores que exigem estado de alerta.
- Produtos balanceados (CBD:THC): considerar custo e regulação; evidência de sono pequena vs. placebo.
- Doses e titulação
Comece baixo e aumente devagar, alinhado à lógica do estudo pragmático (em que a ingestão média por dia subiu ao longo das semanas). Reavalie 2–4 semanas depois, usando medidas padronizadas (PROMIS, ISI). Se não houver resposta clinicamente relevante, descontinue a cannabis para insônia. - Horizonte temporal
Evidência controlada foca no curto prazo (2–16 semanas). Cuidado ao manter uso contínuo sem reavaliação: a literatura indica incerteza e até piora de início/manutenção do sono com uso prolongado. Planeje “drug holidays” ou estratégias de desmame quando fizer sentido. - Eventos adversos e interações
Eduque sobre tontura e sonolência (evitar dirigir após dose noturna, por exemplo) e monitore possíveis interações (CYPs) conforme a medicação de base. Acompanhe pressão arterial, sonolência diurna e função cognitiva em populações de risco.
Ainda em dúvida sobre o uso da cannabis em seu paciente, veja esse artigo e se ela é a melhor opção para ele!
O papel do Kaya Doc para prescritores (médicos, dentistas e veterinários)
Se você prescreve para sono/insônia, o Kaya Doc ajuda a tomar decisão com segurança e eficiência:
- COA (Certificate of Analysis) na mão: confira pureza, perfil de canabinoides e contaminantes antes de escolher a marca e a concentração.
- Comparação de preços e apresentações: enxergue rapidamente custo por mg, volumes e veículos para facilitar adesão.
- Prescrição digital orientada: gere receitas compatíveis com o arcabouço regulatório, com campos padronizados, posologia e alertas úteis.
- Follow-up estruturado: monitore PROMIS/ISI no tempo para documentar MCID e guiar manutenção ou descontinuação.
Na prática, é o caminho mais curto entre evidência, produto correto e prescrição segura — especialmente quando você precisa comparar CBD isolado vs. combinações e avaliar melatonina como coadjuvante, como visto no estudo pragmático. Cadastre-se gratuitamente agora!
Perguntas frequentes rápidas
1) “CBD ou cannabis funciona para todo mundo com insônia?”
Não. As médias populacionais mostram ganhos pequenos, e a resposta individual varia; cerca de 1 em 13 pacientes relata melhora de qualidade do sono vs. placebo em RCTs, e 67% atingiram MCID no ensaio pragmático ao combinar/ajustar formulações (incluindo melatonina).
2) “THC ajuda a pegar no sono?”
Pode reduzir latência em alguns cenários, mas com tontura e sonolência mais frequentes; efeitos de longo prazo e comparações com terapias padrão ainda são incertos.
3) “E no longo prazo?”
A evidência controlada não sustenta conclusões firmes; estudos observacionais sugerem melhora curta e piora com uso prolongado para iniciar e manter o sono — reforçando a importância de reavaliar.
Conclusões práticas
- Sim, os canabinoides podem ajudar um pouco na qualidade do sono, sobretudo quando a dor é parte da equação — efeito pequeno, porém clinicamente percebido por uma parcela dos pacientes.
- Cuidado com tontura, sonolência e outras reações; avaliação de risco é essencial, principalmente em idosos.
- Melatonina segue relevante e, em estudo pragmático, itens do PROMIS favoreceram melatonina + CBD versus CBD 15 mg isolado — mas sem diferença global consistente entre formulações sem melatonina, e MCID ocorreu em cerca de 2/3 dos participantes.
- Longo prazo ainda é um ponto de interrogação. Reavalie periodicamente e privilegie medidas não farmacológicas de sono como base do tratamento.
Referências essenciais usadas na revisão
- Meta-análise de RCTs (Sleep, 2022): melhora pequena vs. placebo; tontura é o AE mais proeminente; incerteza vs. tratamentos ativos; foco em 2–16 semanas e não inalados.
- Ensaio pragmático (J Am Nutr Assoc, 2023): PROMIS melhorou em todos os braços; tendência pró melatonina+CBD em alguns itens; 67% atingiram MCID; sem diferenças entre CBD sem melatonina.
- Revisão de literatura (Current Psychiatry Reports): contextualiza heterogeneidade e levanta lacunas (populações, vias, tempo de uso).
Este conteúdo é educativo e não substitui avaliação clínica individualizada. Em caso de prescrição, siga a regulamentação vigente, monitore desfechos e documente o racional terapêutico.