O estudo Pot at the End of the Rainbow: Cannabis Use Among Sexual Minorities (Schofield, Cuttler, Conner & Prince; Cannabis and Cannabinoid Research, 2023) analisou dados de 4.669 universitários dos EUA para comparar padrões de uso de cannabis e sintomas de saúde mental entre minorias sexuais (heterossexuais, bissexuais e gays).
O recado central: o grupo bissexual relatou maior probabilidade e maior frequência de uso de cannabis, uso mais amplo de formas de produto (flor, concentrados e comestíveis) e sintomas mais severos de transtorno por uso de cannabis (CUD), além de níveis mais altos de depressão, ideação suicida, ansiedade generalizada e social. Motivações para uso — especialmente “coping” (enfrentamento) e “enhancement” (potencialização) — apareceram com mais força nesse grupo.
Por que importa para a clínica? O achado sugere que bissexuais podem estar sob maior risco de padrões problemáticos de uso, em parte por usar para lidar com sofrimento psíquico. Isso pede triagem ativa, manejo integrado de saúde mental e orientações claras de redução de danos.
Minorias sexuais, sofrimento psíquico e uso de substâncias
A literatura já mostrava que minorias sexuais (gays, lésbicas e bissexuais) tendem a reportar maior uso de cannabis do que heterossexuais, possivelmente por fatores como estresse de minoria, discriminação, estigma e barreiras de acesso a cuidado qualificado.
O diferencial do estudo foi comparar diretamente padrões de uso (quantidade, idade de início, formas de consumo) e motivações validadas para o uso, além de correlacionar com sintomas de saúde mental nessa população.
Para manejar ansiedade relacionada ao uso e oferecer alternativas terapêuticas, acesse: canabidiol para ansiedade.
Método em linguagem simples
- Amostra: 4.669 estudantes de Psicologia em 10 universidades norte-americanas.
- Classificação de orientação sexual: escala de 5 pontos, agrupada em heterossexual (n=3.483), bissexual (n=1.081) e gay (n=105).
- Desfechos: frequência de uso, tipos de produtos utilizados, sintomas de CUD, motivos para uso (instrumento validado) e sintomas de saúde mental (depressão, ideação suicida, ansiedade generalizada e social).
Limitação importante: amostra de universitários (jovens, contexto EUA) e autorrelato. Resultados não significam causalidade.
Resultados que interessam ao consultório
- Bissexuais usam mais e diversificam mais o consumo.
Relataram maior probabilidade de uso, maior frequência e maior variedade de produtos (flor, concentrados, comestíveis) que heterossexuais.
Para entender a psicoatividade do THC e orientar redução de danos, acesse: THC: o que é, efeitos e usos.
- Mais sintomas de CUD no grupo bissexual.
Pontuação mais alta em sintomas de transtorno por uso de cannabis, sugerindo risco aumentado. - Motivações de uso: coping e enhancement em destaque.
O uso para aliviar sofrimento (depressão/ansiedade/estresse) e para potencializar sensações apareceu com maior intensidade.
Para abordar queixas de sono e diferenciar estratégia terapêutica de automedicação, acesse: cannabis para insônia.
- Saúde mental: sinal vermelho simultâneo.
Bissexuais relataram níveis mais altos de depressão, ideação suicida, ansiedade generalizada e ansiedade social do que heterossexuais.
Leitura clínica: quando o uso é motivado por “coping”, cresce a chance de padrões problemáticos; a cannabis vira “atalho” para sofrimento não tratado. Isso pede triagem estruturada e plano terapêutico integrado.
Roteiro de atendimento centrado na pessoa
1) Anamnese que enxerga a pessoa inteira
- Pergunte com linguagem inclusiva sobre orientação sexual e identidade de gênero apenas o necessário para o cuidado, explicando por que isso é relevante.
- Investigue frequência, dose, formas de produto (flor, concentrado, comestível), situações de uso e motivos (alívio de ansiedade, sono, dor, socialização etc.).
- Explore comorbidades (depressão, ansiedade, TDAH, transtornos do sono), uso de outras substâncias e rede de apoio.
2) Triagem ativa de saúde mental
- Use instrumentos breves (ex.: PHQ-9, GAD-7) e pergunte direto sobre ideação suicida com técnica e acolhimento.
- Se identificar risco, estruture encaminhamento (psiquiatria/psicoterapia), plano de segurança e seguimento próximo.
3) Risco de CUD: detecte cedo
- Sinais de alerta: tolerância, perda de controle, uso para funcionar, prejuízo acadêmico/ocupacional, afastamento social, continua apesar de problemas.
- Combine educação em saúde com metas realistas (redução de frequência/dose, alternar formas menos potentes).
4) Prescrição (quando houver) com bússola clínica
- Se optar por cannabis medicinal, documente objetivos (sintomas-alvo), critérios de resposta, métricas de acompanhamento e limites.
- Prefira composições com CBD predominante quando psicoatividade possa piorar ansiedade; avalie CBN/CBC em casos selecionados para sono/dor (evidências ainda limitadas).
- Evite THC em psicoses ativas; redobre cautela em idosos/cardiopatas; monitore interações (CYP2C9, CYP3A4, CYP2C19).
Para padronizar avaliação, prescrição e acompanhamento com segurança, acesse: melhores práticas de prescrição de canabidiol.
5) Redução de danos que funciona
- Evite combustão; prefira formas orais ou dispositivos regulamentados.
- Comece baixo, vá devagar; ajuste por sintoma-alvo.
- Oriente não dirigir sob efeito, não misturar com álcool/benzodiazepínicos, armazenar com segurança.
- Estabeleça retorno e plano de crise (contatos, sinais de alerta).
Como comunicar sem reforçar estigma (e sem cair no “coping-shaming”)
- Valide a experiência do paciente: “faz sentido você buscar alívio”.
- Explique a diferença entre alívio imediato e cuidado de base (psicoterapia, higiene do sono, tratamento farmacológico quando indicado).
- Corresponsabilize: convide o paciente a co-planejar metas de uso e metas clínicas (sono, humor, funcionamento diário).
- Foque em funcionamento e qualidade de vida, não em rótulos.
Limitações do estudo (e como interpretar com cautela)
- Amostra universitária (EUA) limita generalização para outras faixas etárias e contextos culturais.
- Transversal e autorrelato: não permite inferir causa e efeito.
- Classificação de orientação sexual por escala; tamanhos de subgrupos desiguais (n gay pequeno).
Mesmo assim, o sinal clínico é consistente: bissexuais podem estar sob maior risco pela combinação uso frequente + motivos de coping + sofrimento psíquico.
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