canabinoides neutros
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Os canabinoides neutros são as formas descarboxiladas dos canabinoides ácidos presentes na planta. Em termos simples, calor, luz ou tempo de armazenamento removem o grupo carboxila (–COOH), convertendo THCA em Δ⁹-THC, CBDA em CBD, CBCA em CBC e CBNA em CBN.

Essa transformação confere, em geral, maior estabilidade, melhor biodisponibilidade e, em alguns casos — como no Δ⁹-THC — atividade psicoativa significativa. Entre os neutros mais estudados estão Δ⁹-THC (tetrahidrocanabinol), CBD (canabidiol), CBG (canabigerol), CBC (canabicromeno) e CBN (canabinol).

Para nivelar os conceitos, leia o que são canabinoides e como atuam no corpo.

Como se formam (biossíntese e descarboxilação)

A planta não produz THC ou CBD diretamente: ela sintetiza principalmente THCA, CBDA, CBCA e CBGA. Os canabinoides neutros são, portanto, derivados secundários, resultantes da descarboxilação dessas formas ácidas ao longo do tempo, por exposição à luz ou por aplicação de calor. Em resumo:

  • THCA → THC
  • CBDA → CBD
  • CBCA → CBC
  • CBNA → CBN

Para entender por que a planta não produz THC/CBD diretamente, leia sistema endocanabinoide: bases para a prática.

Por que são importantes

A relevância clínica dos canabinoides neutros é grande porque aparecem com mais frequência no uso terapêutico, decorrentes da descarboxilação natural ou controlada das formas ácidas, e apresentam atividade farmacológica consolidada. Por serem mais estáveis e biodisponíveis, facilitam o desenvolvimento de formulações farmacêuticas (óleos, cápsulas, sprays).

Além da interação com CB₁/CB₂, muitos atuam em serotonina, dopamina e canais iônicos, tornando-se versáteis no manejo de condições neurológicas, psiquiátricas, inflamatórias e oncológicas. Também participam do chamado efeito entourage, em que a combinação de canabinoides e terpenos pode produzir efeitos sinérgicos superiores aos de moléculas isoladas.

Para classificar melhor cada molécula, leia tipos de canabinoides: classes e funções.

Não por acaso, a maioria dos medicamentos à base de cannabis aprovados no mundo contém canabinoides neutros, e eles são os mais estudados em ensaios clínicos.

Δ⁹-THC (tetrahidrocanabinol)

Mecanismo e efeitos. O Δ⁹-THC é agonista parcial de CB₁ e CB₂. Clinicamente, associa-se a psicoatividade, analgesia, antiemese, estimulação de apetite (orexígeno), hipnose leve e efeitos ansiolíticos/ansiogênicos dependentes da dose.

estrutura molecular THC

Indicações (evidências atuais/potenciais). Há uso em dor crônica (neuropática e oncológica), espasticidade, náuseas/vômitos induzidos por quimioterapia, caquexia e perda ponderal. Evidências emergentes sugerem benefício adjuvante em insônia e em sintomas comportamentais de demências.

Biossíntese. A planta produz THCA a partir de CBGA; com calor/tempo, ocorre descarboxilação para Δ⁹-THC.

Observações clínicas. A psicoatividade é dose-dependente; doses altas podem provocar ansiedade, taquicardia e déficit de memória recente. Há interações relevantes (CYP2C9, CYP3A4). Evitar em psicoses ativas e ter cautela em idosos e cardiopatas.

Se você ainda tem dúvidas sobre esse canabinoide, complemente sua leitura com THC: o que é, efeitos e usos.

CBD (canabidiol)

Mecanismo e efeitos. O CBD tem baixa afinidade por CB₁/CB₂, mas demonstra efeitos anticonvulsivantes, ansiolíticos, antipsicóticos, anti-inflamatórios e neuroprotetores.

ESTRUTURA MOLECULAR CBD

Indicações (evidências atuais/potenciais). Evidência robusta em epilepsias refratárias. Dados crescentes para ansiedade, psicoses e dor inflamatória/neuropática. Em neurodegeneração e sono, destaca-se melhora da qualidade do sono em comorbidades.

Biossíntese. CBDA → (descarboxilação) → CBD.

Observações clínicas. Não psicoativo e com perfil de segurança favorável. Interações (CYP2C19, CYP3A4) merecem atenção, especialmente com clobazam e anticoagulantes. Eventos adversos mais comuns: sonolência e diarreia.

Ao comparar CBD e evidências clínicas, indicamos a leitura de canabidiol (CBD): usos e segurança.

CBG (canabigerol)

Mecanismo e efeitos. Apresenta afinidade moderada por CB₁/CB₂ e ações em α2-adrenérgicos, 5-HT1A (parcial) e canais TRP. Em modelos pré-clínicos, mostra propriedades anti-inflamatórias, antibacterianas, moduladoras de apetite e neuroprotetoras.

ESTRUTURA MOLECULAR CBG

Indicações (evidências atuais/potenciais). Dados experimentais sustentam uso em doença inflamatória intestinal/colite, neuropatias e neurodegeneração; atividade antibacteriana (inclusive contra cepas resistentes in vitro) e manejo de hiporexia em dados iniciais.

Biossíntese. CBGA é o “precursor universal”; a fração não convertida por sintases pode descarboxilar diretamente em CBG.

Observações clínicas. Não psicoativo; perfil de segurança promissor, mas ensaios clínicos são escassos. Potencial sinérgico em formulações broad/full spectrum.

CBC (canabicromeno)

Mecanismo e efeitos. O CBC tem baixa ação direta em CB₁/CB₂. Em modelos, exibe efeitos anti-inflamatórios, analgésicos, pró-neurogênese (hipocampo) e antidepressivos.

ESTRUTURA MOLECULAR CBC

Indicações (evidências atuais/potenciais). Sinais em dor inflamatória/neuropática (pré-clínico), transtornos do humor (dados animais) e dermatologia (efeitos anti-inflamatórios/antimicrobianos tópicos).

Biossíntese. CBCA → (descarboxilação) → CBC. É estável em óleos, mas pode degradar lentamente por luz/oxidação.

Observações clínicas. Não psicoativo e forte candidato a efeito entourage em conjunto com THC/CBD. A evidência clínica ainda é limitada.

Para ampliar além de THC/CBD, inclua em sua leitura canabinoides menores: panorama clínico.

CBN (canabinol)

Mecanismo e efeitos. O CBN é derivado oxidativo do THC, com baixa afinidade por CB₁ e moderada por CB₂. Tende a ser sedativo leve, analgésico e anti-inflamatório, com possível imunomodulação.

ESTRUTURA MOLECULAR CBN

Indicações (evidências atuais/potenciais). Uso para sono (especialmente em combinação com THC e terpenos sedativos), dor e inflamação (pré-clínico) e neuroproteção (dados iniciais).

Biossíntese. Δ⁹-THC oxida (luz/oxigênio/tempo) formando CBN/CBNA; CBNA descarboxila para CBN. É mais abundante em materiais envelhecidos.

Observações clínicas. Pouco psicoativo; a sedação costuma ser mais evidente em combinações (entourage). A evidência clínica direta é limitada, e a qualidade de produtos ricos em CBN pode variar por se tratar, muitas vezes, de compostos de degradação.

Dicas rápidas para apresentação clínica

Em idosos, uma estratégia conservadora é priorizar entre os canabinoides neutros o CBD/CBC/CBG durante o dia e considerar CBN/THC em microdoses à noite, conforme objetivo e tolerabilidade. Para modular eficácia e minimizar eventos adversos, o entourage é útil: THC + CBD (± CBN/CBC), conforme o sintoma-alvo, pode oferecer melhor balanço terapêutico.

Se o você está com um paciente e a preocupação for uso concomitante de fármacos, aprofunde em canabidiol com outros medicamentos.

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Referências (seleção do material fornecido)

  • Decarboxylation Study of Acidic Cannabinoids: A Novel Approach. PMC.
  • Thermal decarboxylation of acidic cannabinoids in Cannabis species. SpringerOpen.
  • Comparison of decarboxylation rates of acidic cannabinoids. Nature.
  • The Entourage Effect in Cannabis Medicinal Products. ResearchGate.
  • Decoding the Postulated Entourage Effect of Medicinal Cannabis. PMC.
  • Therapeutic Potential of Cannabis: A Comprehensive Review. MDPI.
  • Evaluation of thermo-chemical conversion temperatures of cannabis. BioMed Central.
  • Tetrahydrocannabinol (THC) – StatPearls; Review of Cannabis Pharmacology, Uses, Adverse Drug Events; Pharmacology and Effects of Cannabis: A Brief Review (Cambridge).
  • Cannabinoids and Pain: New Insights From Old Molecules. Frontiers.
  • Therapeutic Potential of Cannabis: A Comprehensive Review. MDPI (CBD).
  • Cannabigerol (CBG): A Comprehensive Review of Its Molecular Pharmacology. PMC.
  • Comprehensive mini-review: therapeutic potential of cannabigerol. Frontiers.
  • The most important cannabinoids (THC, CBD, CBC, CBG, CBN) and their therapeutic effects. Kalapa Clinic.

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